Portugal aprovou, através da Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009 de 30 de julho, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Também o Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi aprovado pelo Estado português (Resolução da Assembleia da República n.º 57/2009 de 30 de julho), aceitando-se que um cidadão português possa recorrer à Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, prevista no artigo 34.º da Convenção, quando se sentir vítima de uma violação das disposições da Convenção por parte do Estado português.A Convenção tem por objeto “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente” (artigo 1.º). Tendo como um dos seus princípios gerais a “participação e inclusão plena e efetiva na sociedade” (artigo 3.º), a Convenção pretende quebrar a lógica do modelo assistencialista. A Convenção dispõe que cabe aos Estados Partes realizar ou promover a investigação e o desenvolvimento, promover a disponibilização e uso, e disponibilizar informação acessível às pessoas com deficiência de dispositivos e tecnologias de apoio (artigo 4.º).
De acordo com o artigo 31.º da Lei n.º 38/2004 de 8 de agosto, compete ao Estado Português “o fornecimento, adaptação, manutenção ou renovação dos meios de compensação que forem adequados” para promover a funcionalidade e a participação das pessoas com deficiência. O financiamento de produtos de apoio tem sido efetivado através de um sistema supletivo que complementa as verbas disponíveis nos sistemas sectoriais da saúde, formação profissional, emprego e segurança social. Sendo um financiamento supletivo, apenas quando esgotadas as verbas dos diversos serviços para produtos de apoio se recorre a este fundo. A verba atribuída em cada ano é definida por despacho ministerial conjunto e as normas reguladoras da execução desse despacho são aprovadas e publicadas pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. (INR, I. P.), em despacho subsequente.
Os diversos produtos de apoio financiados estão hierarquizados em três níveis, cabendo a prescrição de produtos de apoio de nível 1 aos Centros de Saúde e Hospitais de Nível 1; os de nível 2 aos Hospitais de Nível 1 plataforma B e Hospitais Distritais; e os de nível 3 aos Hospitais Centrais, Centros Especializados com equipas de reabilitação, e Centros de Emprego do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.) com serviços de medicina do trabalho.
A identificação da hierarquia dos níveis de prescrição das instituições hospitalares é estabelecida pela Rede de Referenciação Hospitalar de Medicina Física e de Reabilitação aprovada por despacho da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Saúde, em 26 de março de 2002. Desde 2012, os Centros Especializados são indicados por cada uma das entidades financiadoras. Os produtos de apoio destinados a atividades de formação e/ou trabalho são financiados através do IEFP, I.P., do Centro de Reabilitação Profissional de Alcoitão ou de centros de reabilitação profissional credenciados para o efeito pelo IEFP, I. P., por deliberação do Conselho Diretivo deste organismo.
O Decreto-Lei n.º 93/2009 de 16 de abril vem criar o Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio – SAPA. No SAPA, além do Ministério da Saúde e do então Ministério do Trabalho e da 113 Solidariedade Social, que já geriam o orçamento supletivo acima referido, é envolvido o então Ministério da Educação. Com este Decreto-Lei, estabelece-se que há produtos de apoio que não são de prescrição médica obrigatória e que podem ser prescritos por uma equipa técnica multidisciplinar constituída, no mínimo, por dois técnicos com saberes transversais das várias áreas de intervenção em reabilitação (por exemplo, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, psicólogos ou docentes). Estas equipas técnicas poderão recorrer a outros técnicos em função das situações, tais como técnicos de serviço social, protésicos, engenheiros e ergonomistas. Da lista de produtos de apoio publicada anualmente por despacho do INR, I. P., passa a constar a listagem dos produtos de apoio de prescrição médica obrigatória. Estes deverão ser prescritos apenas por um médico. As entidades prescritoras, isto é, “a[s] entidade[s], serviço[s], organismo[s] ou centro[s] de referência à[s] qua[is] pertence a equipa técnica multidisciplinar ou o médico que procede à prescrição” (Decreto-Lei n.º 93/2009 de 16 de abril), são definidas por despacho do membro do Governo que tutela aquelas entidades.
No mesmo Decreto-Lei n.º 93/2009 de 16 de abril prevê-se a substituição do sistema supletivo, passando as verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio a ser geridas autonomamente pelas entidades prescritoras. Os “produtos de apoio indispensáveis ao acesso e frequência da formação profissional e ou para o acesso, manutenção ou progressão no emprego” serão custeados pelo IEFP, I. P. através de fundos disponibilizados aos centros de emprego. Os “produtos de apoio indispensáveis ao acesso e à frequência do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar e do ensino básico e secundário” serão financiados pela então Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, atualmente Direção-Geral de Educação, através de verbas atribuídas às estruturas de educação. A Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. disponibilizará verbas às unidades hospitalares e a outras entidades prescritoras, e os centros distritais da segurança social, através do Instituto de Segurança Social, I.P. aos centros de saúde e outras entidades prescritoras, para o financiamento dos diversos produtos de apoio. Pretende-se assim implementar o princípio do prescritor/pagador.
É criada uma entidade gestora à qual compete a constituição e atualização de um catálogo indicativo de produtos de apoio, a gestão da informação do SAPA, e a apresentação de um relatório anual de execução do SAPA. A Portaria n.º 192/2014 de 26 de setembro vem regular a criação e manutenção da base de dados de registo do SAPA (BDR-SAPA) prevista no DL n.º 93/2009 de 16 de abril. A este sistema informático centralizado, gerido pelo INR, I. P., têm acesso as entidades prescritoras, financiadoras e gestora. A BDR-SAPA centraliza o registo dos dados de cada processo de atribuição de um produto de apoio, sendo a recolha de informação descentralizada. Vem possibilitar a gestão e o controlo, a nível nacional, de uma forma mais eficiente e célere, da atribuição de produtos de apoio, a sua reutilização e a gestão de comparticipações, facilitando por exemplo a identificação de situações de duplicação de atribuição de produtos de apoio. Espera-se assim responder às principais críticas ao sistema anterior: excessiva burocratização, falta de eficácia e de controlo das prescrições (Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., 2008).
A implementação da BDR-SAPA regulada pela Portaria n.º 192/2014 de 26 de setembro foi efetuada numa primeira fase pela prescrição do produto de apoio continuando, à data da 114 publicação desta obra, a vigorar o regime transitório aplicável à fixação do montante das verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio e à definição dos procedimentos das entidades financiadoras definido pelo Decreto-Lei n.º 42/2011 de 23 de março.
Em termos fiscais, alguns produtos de apoio gozam de isenções de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Tem sido o caso das importações e transmissões de triciclos, cadeiras de rodas, com e sem motor, automóveis ligeiros de passageiros ou mistos para uso próprio de pessoas com deficiência, de acordo com os condicionalismos previstos no Código do Imposto sobre Veículos. Do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) consta uma lista de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida que inclui produtos de apoio.
Como foi descrito na secção anterior, os médicos (e equipas multidisciplinares de reabilitação) que pretendem prescrever um dado produto de apoio, ou mesmo os próprios utentes que pretendem adquirir produtos de apoio, poderão recorrer a pareceres técnicos com vista à avaliação de qual a tecnologia de apoio mais apropriada para o fim em causa. Nesta secção apresentam-se exemplos de relatórios técnicos (baseados em situações fictícias) com o objetivo de ilustrar a importância do papel de um Engenheiro de Reabilitação nas equipas de Reabilitação.
Destinatário da tecnologia de apoio: Criança de 12 anos que sofreu um traumatismo cranioencefálico grave num acidente de viação.
Requerente: Terapeuta ocupacional.
Descrição do pedido: A elevada dependência motora desta criança exige, em particular à mãe, um grande esforço físico nos cuidados de higiene diária da filha. Pretende-se identificar o equipamento mais indicado para aliviar estes pais desse esforço.
Relatório de avaliação: Na sequência do pedido de avaliação, foi efetuada uma visita à casa da utente de 12 anos. Esta família mora num apartamento amplo, que foi já devidamente adaptado para a movimentação da cadeira de rodas da criança. Após uma conversa sobre as rotinas e principais dificuldades nos cuidados de higiene da criança, concluiu-se que seriam necessárias tecnologias de apoio para ajudar nas transferências da cama para a cadeira de rodas, da cadeira de rodas para a sanita ou banheira, e da cadeira de rodas para uma cadeira de conforto (na sala) onde a criança passa algumas horas do dia.
Como a residência tem áreas amplas, e depois de efetuadas as medições necessárias, foi equacionada a utilização de um elevador de transferência móvel que pudesse ajudar nas transferências em toda a casa. Para a casa de banho, por ser um espaço reduzido, estudou-se 115 a possibilidade de instalar um elevador de transferência fixo, com rotação de 180º, que permitisse transferir facilmente a criança entre a sanita e a banheira.
Foi também apresentada a alternativa de instalar um sistema de transferência com motor e estrutura de calhas de teto, com percursos para aceder a toda a casa. A vantagem desta solução é resolver todas as situações com um sistema único de transferência. Prevendo-se que a situação desta família se mantenha por vários anos, e pelas características do apartamento onde residem, sugere-se esta última solução como a mais indicada a médio-longo prazo. Será necessário elaborar um projeto de implementação, contendo a configuração e comprimento das referidas calhas, bem como a análise dos materiais e pontos de fixação ao teto.
Destinatário da tecnologia de apoio: Jovem adulto de 27 anos com tetraplegia devida a lesão vértebro-medular.
Requerente: O próprio.
Descrição do pedido: Morando na residência dos meus pais, gostaria de ter autonomia (reduzindo a dependência dos meus pais) no acesso à televisão do meu quarto e a uma campainha para pedir auxílio em caso de necessidade.
Relatório de avaliação: Na deslocação à residência do utente pôde avaliar-se o espaço do seu quarto e as suas rotinas. Verificou-se que utiliza um computador a que acede através de um manípulo acionado por movimentos de cabeça. Informou-se o utente acerca da possibilidade de utilização do seu próprio computador para comandar um sistema de controlo de ambiente. No entanto, a sua vontade é ter um sistema simples e independente, que possa usar mesmo quando não está a utilizar o computador (por exemplo, quando vê televisão não tem, habitualmente, o computador ligado). Sugeriu-se então um sistema modular, independente do computador mas que pode igualmente ser acedido através de um manípulo, e por meio do qual se pode controlar a televisão, uma campainha, e ainda uma luz e o leitor de DVD que o utente tem no seu quarto. Em conclusão, e de acordo com a avaliação descrita, sugere-se a prescrição de:
Destinatário da tecnologia de apoio: Senhora de 60 anos com esclerose lateral amiotrófica.
Requerente: Terapeuta ocupacional da Unidade de Cuidados Continuados onde se encontra a utente.
116Descrição do pedido: Esta senhora tem graves dificuldades de comunicação através da fala. Não tem limitações na funcionalidade dos membros superiores ou inferiores que a impeçam de realizar as suas atividades diárias. A dificuldade em fazer-se entender faz com que evite frequentar os espaços de convívio e se isole no quarto. Pretende-se a avaliação para uma tecnologia de apoio que facilite a comunicação desta utente, de modo a quebrar o seu isolamento e reduzir o risco de depressão.
Relatório de avaliação: Conforme verificado durante a avaliação, a utente revela dificuldades de comunicação, características de pessoas com ELA de início bulbar. A perda progressiva de inteligibilidade da fala impede-a, com frequência, de se fazer entender.
Segundo a terapeuta, e com confirmação dos próprios, a dificuldade em fazer-se entender pelos outros residentes da instituição faz com que se isole e evite frequentar os espaços de convívio. Embora se tenha verificado que as suas capacidades motoras lhe permitem usar a escrita manual como alternativa à fala, esta senhora expressou a sua dificuldade em adotar a escrita manual por se sentir desconfortável na sua utilização para comunicar com as outras pessoas.
Pretendeu-se nesta avaliação eleger um meio de comunicação aumentativa e alternativa que permita à utente uma comunicação eficaz com as pessoas com quem convive, com o qual se sinta confortável, e que lhe permita estabelecer relações sociais.
Pela sua autonomia, no que se refere à mobilidade e às suas capacidades cognitivas, foi avaliada a utilização de um sistema baseado num computador tipo tablet, leve e fácil de transportar. Foi avaliado o acesso ao ecrã táctil através de toque no ecrã e utilizando um software baseado em escrita e síntese de fala. Apesar da baixa escolaridade e de não estar familiarizada com a utilização de meios informáticos, esta senhora revelou facilidade em compreender a forma de utilização do sistema para a comunicação. Considerou este equipamento útil para aumentar a sua capacidade de comunicar com os outros residentes da instituição, tendo-lhe sido explicado que poderia, com o mesmo equipamento, usar a comunicação através da Internet para estar mais próxima dos seus familiares.
É importante notar que, devido às características degenerativas da ELA, esta senhora poderá vir a precisar de alternativa ao acesso por ecrã táctil (por previsível perda de funcionalidade dos membros superiores). Sugere-se, desta forma, um sistema de CAA que possa ser utilizado através de diferentes interfaces de acesso. No caso de evolução dos sintomas da doença e da manifestação de dificuldade no acesso através do toque no ecrã, recomenda-se nova avaliação para definir as adaptações necessárias para o acesso ao sistema.
Em conclusão, e de acordo com a avaliação efetuada, deverão ser prescritas as seguintes tecnologias de apoio: