8. Tecnologias de apoio à Comunicação

De acordo com o projeto HEART (Azevedo, Féria, Nunes da Ponte, Wann, & Recellado, 1994), Comunicação é a capacidade de gerar, emitir, receber e perceber mensagens, interagir com outros indivíduos face a face ou a distância, num contexto social particular.

Usualmente, o ser humano utiliza a fala para comunicar. No entanto, a mensagem emitida não depende apenas da linguagem usada, mas também, entre outros, da entoação dada, do contexto e da expressão corporal, no caso de comunicação presencial. A comunicação é, assim, em regra, multimodal.

As perturbações na comunicação têm origens muito diversas. Uma pessoa pode não conseguir comunicar por ter uma perturbação motora (ver Secção 3.3), da linguagem e/ou da fala (ver Secção 3.3.7), sensorial (ver secções 3.3.10 e 3.3.11) ou simplesmente, poderá não comunicar por não conhecer a linguagem do seu interlocutor ou não dominar o contexto em que se realiza a comunicação (e.g., comunicação entre paciente e médico, quando o primeiro tem uma insuficiente literacia em saúde).

8.1 Comunicação aumentativa e alternativa

A área do conhecimento que estuda soluções para as Necessidades Complexas de Comunicação é designada por Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA). De acordo com a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA), a comunicação aumentativa e alternativa envolve o estudo e, quando necessário, a compensação de incapacidades temporárias ou permanentes, de limitações nas atividades e de restrições à participação de pessoas com perturbações severas na produção e/ou compreensão da linguagem, incluindo os modos falados e escritos da comunicação (American Speech-Language-Hearing Association, 2005). A comunicação diz-se aumentativa quando complementa (não substituindo) outros modos de comunicação, tais como fala, gestos, vocalizações, expressões faciais; designa-se por alternativa quando emprega métodos, modos e estratégias alternativos.

83

Símbolos podem ser gráficos, auditórios, gestuais ou tácteis. Podem ser usados pela pessoa apenas com recurso ao seu corpo (sinais, gestos, expressões faciais), em sistemas de comunicação sem ajuda, ou podem requerer o uso de objetos físicos, imagens, desenhos ou ortografia, em sistemas de comunicação com ajuda.

Produtos de apoio, neste contexto, referem-se aos produtos (eletrónicos ou não) usados para transmitir e/ou receber mensagens.

Técnicas de comunicação são a forma através da qual a mensagem pode ser transmitida (por exemplo, engloba as técnicas de seleção direta e indireta discutidas na Secção 5.1). Finalmente, Estratégias referem-se ao modo de transmitir as mensagens de forma mais eficaz e eficiente. As estratégias podem ter três objetivos: melhorar a sincronização das mensagens, auxiliar a formulação gramatical das mensagens ou aumentar a taxa de comunicação.

8.2 Símbolos

Vários sistemas de símbolos gráficos foram desenvolvidos, com diferentes objetivos e vocabulários, formando diferentes linguagens. A escolha de um sistema de símbolos particular depende das necessidades e preferências de cada um. Os símbolos gráficos são imagens que representam visualmente uma palavra ou conceito com o objetivo de clarificar e facilitar a sua compreensão (ver Figura 8.1). São usados por todas as pessoas no dia a dia (e.g., sinais de trânsito) e podem ser particularmente úteis, por exemplo, para pessoas que estão a aprender uma segunda língua, pessoas com dificuldades de memória, demência ou outra lesão cerebral, pessoas com dislexia, disartria ou dificuldades espaciais/temporais/organizacionais, pessoas com deficiências auditivas, pessoas com perturbações do espectro do autismo ou pessoas que não saibam ler. Os sistemas de símbolos podem ajudar na comunicação, promover a independência e a participação, desenvolver a literacia e a aprendizagem, e permitir o acesso a informação.

Figura 8.1: Símbolos gráficos (www.widgit.com)

Um dos primeiros sistemas de símbolos usados em comunicação aumentativa e alternativa foi o sistema Bliss[36]. Este sistema foi proposto por Charles Bliss em 1949 com o objetivo de criar uma linguagem universal que permitisse às pessoas expressarem-se sem a complexidade gramatical e ortográfica das outras linguagens. Trata-se de uma linguagem simbólica gráfica composta, atualmente, por mais de 3.000 símbolos. Os caracteres Bliss podem ser recombinados de inúmeras formas para se obter novos símbolos. São usadas formas simples de modo a que os símbolos sejam fáceis e rápidos de desenhar. Em 1971, o Ontario Crippled Children’s Home começou a usar os símbolos Bliss para ensinar comunicação a crianças com paralisia cerebral. A Figura 8.2 contém exemplos de símbolos Bliss.

84
Figura 8.2: Símbolos Bliss (www.blissymbolics.org)

Este sistema com base semântica começou a ser utilizado em Portugal no início dos anos 80, depois de traduzido e adaptado ao Português, tendo sido sobretudo alguns Centros de Reabilitação de Paralisia Cerebral do país que iniciaram a sua implementação prática.

Para fazer face às dificuldades de utilização do sistema Bliss por parte de pessoas sem o nível cognitivo adequado, foram traduzidos, adaptados e começaram a ser utilizados em Portugal os Pictogramas [37] 37. Os Pictogramas constituem um sistema de símbolos desenvolvido nos anos 80 que se distingue pela representação dos símbolos a branco sobre um fundo preto (ver Figura 8.3). Pretende-se assim maximizar o impacto do símbolo. As imagens usadas remetem para as representações do senso comum de objetos e ideias. A sua sobriedade poderá facilitar a aceitação por parte de adultos.

Figura 8.3: Pictogramas (www.pictoworld.com)

No entanto, os Pictogramas fornecem um vocabulário algo limitado o que levou, em Portugal e no final dos anos 80, à utilização do sistema SPC [38] – Símbolos Pictográficos para a Comunicação (também 85 após tradução e adequação ao Português). O sistema SPC foi desenvolvido pela Mayer-Johnson[39] e é constituído por um vocabulário básico que contém cerca de 5.000 símbolos, complementado por bibliotecas específicas para diversos assuntos e línguas, perfazendo um total de cerca de 12.000 símbolos. Na Figura 8.4 são apresentados exemplos de símbolos SPC na sua versão a preto e branco. É atualmente o sistema mais utilizado em Portugal, com grande implementação também a nível internacional.

Figura 8.4: Símbolos SPC (www.mayer-johnson.com)

Recentemente começaram também a ser usados no nosso país os símbolos Widgit[40]. Estes símbolos resultam de uma melhoria dos símbolos Rebus, que foram desenvolvidos nos anos 60 para auxiliar o desenvolvimento da linguagem em alunos com dificuldades de aprendizagem. Foram desenhados para suportar informação escrita e proporcionam um modo efetivo de “traduzir” texto escrito para uma forma simples e fácil de perceber, com uma ligação imediata às representações visuais comuns de objetos e ideias. Englobam os tópicos curriculares comuns e o vocabulário usado por adultos. O sistema de símbolos Widgit tem uma estrutura esquemática e inclui marcadores gramaticais para expressão literária, sendo assim também apropriado para níveis de literacia mais elevados. Na Figura 8.5 estão representados alguns símbolos Widgit.

86
Figura 8.5: Símbolos Widgit Rebus (www.widgit.com)

Fitzgerald (1954) propôs uma organização dos símbolos por classes semânticas e sintáticas, codificadas por cores, por forma a facilitar a construção de frases. Essas classes de símbolos, hoje de uso generalizado, são: sociais – rosa, pessoas – amarelo, ações – verde, substantivos – laranja, adjetivos – azul e diversos – cinzento. A apresentação das diversas classes de símbolos da esquerda para a direita, com uma ordem próxima da estrutura gramatical da língua, é outra estratégia usada para promover o desenvolvimento da literacia.

8.3 Quadros de comunicação

Os símbolos, qualquer que seja o sistema escolhido, são utilizados em produtos de apoio à comunicação, eletrónicos ou não. São usualmente agrupados de acordo com diferentes contextos de utilização, constituindo quadros de comunicação como o da Figura 8.6 (A).

Estes quadros podem ser estáticos, sendo todos os símbolos apresentados simultaneamente, ou podem ser dinâmicos (Figura 8.6 (A)), contendo símbolos que remetem para outros quadros de comunicação (Figura 8.6 (B)). Enquanto os primeiros são mais usados em sistemas de baixo desenvolvimento tecnológico (por exemplo, uma simples folha de papel comos símbolos impressos), os segundos são a regra em sistemas de comunicação baseados em computadores utilizando software de comunicação adequado. No entanto, qualquer que seja o grau de desenvolvimento tecnológico do produto de apoio, é possível utilizar ambos os tipos de quadros.

A grande vantagem dos quadros de comunicação dinâmicos em relação aos estáticos é a possibilidade de incluir mais vocabulário. São, no entanto, mais exigentes do ponto de vista cognitivo, pois requerem o conhecimento da organização dos símbolos e a sua memorização.

87
(A)
(B)
Figura 8.6: Quadro de comunicação.(A) Quadro inicial com os temas de cada quadro de comunicação específico (B) Quadro de comunicação relativo a “Sentimentos”

Um outro tipo de quadros de comunicação é conhecido por Visual Scene Displays (VSD). Consiste numa fotografia, desenho ou ambiente virtual que representa uma situação, lugar ou experiência (ver Figura 8.7). Elementos da representação constituem o conjunto de seleção, acedendo a quadros de comunicação nos contextos correspondentes. As vantagens indicadas para este tipo de quadros incluem a possibilidade de usar representações de eventos e atividades familiares nas vidas dos utilizadores, maximizando o significado das representações; apresentar os conceitos de linguagem nos contextos próprios; organizar a linguagem de acordo com experiências vividas, o que é coerente com a forma como é organizada a linguagem no cérebro; preservar as relações conceptuais e visuais (e.g., localização, proporcionalidade); e proporcionar aos parceiros de comunicação uma participação mais ativa no processo de comunicação (Light & Drager, 2007; Blackstone, 2005). Recentemente, os Visual Scene Displays têm recebido muita atenção no âmbito da comunicação aumentativa e alternativa por pessoas com afasia (Beukelman & Mirenda, 2005).

Figura 8.7: Visual Scene Display (www.attainment.com)

Existe no mercado um conjunto alargado de aplicações informáticas para o desenho de quadros de comunicação, usando sistemas de símbolos ou de cenários, desenvolvidos ou traduzidos para Português [41] .

88

Os quadros de comunicação podem ser usados com diversas técnicas de comunicação, consoante os produtos de apoio em que são implementados. Os utilizadores podem recorrer a técnicas de seleção direta ou indireta. Os quadros podem ser usados numa comunicação presencial, em que o recetor observa as seleções efetuadas pelo emissor, ou podem servir de suporte para a composição de uma mensagem a ser impressa, falada através de um sistema de síntese de fala ou mesmo enviada eletronicamente.

8.4 Produtos de apoio à comunicação

8.4.1 Produtos de apoio de baixo desenvolvimento tecnológico

Os produtos de apoio à comunicação mais simples são constituídos por um suporte físico onde são colocados símbolos que o utilizador escolhe através de um método de seleção direta ou indireta com o auxílio do seu interlocutor. Na Figura 8.8 e na Figura 8.9 ilustram-se produtos de apoio à comunicação em que o utilizador usa seleção direta através do olhar ou seleção indireta por varrimento, respetivamente. Na Figura 8.10 exemplificam-se diferentes cadernos de comunicação.

Figura 8.8: Produto de apoio à comunicação de baixo desenvolvimento tecnológico, com seleção direta através do olhar. (commons.wikimedia.org; Poule at en.wikipedia)
Figura 8.9: Produto de apoio à comunicação de baixo desenvolvimento tecnológico, com seleção indireta por varrimento. O interlocutor da mensagem faz o varrimento das diversas opções, visual e/ou auditivo, aguardando por um sinal previamente acordado com o recetor para confirmar a seleção.
89
Figura 8.10: Cadernos de comunicação (imagem cedida por CRPCCG-UTAAC)

8.4.2 Produtos de apoio de elevado desenvolvimento tecnológico

Os produtos de apoio à comunicação eletrónicos envolvem normalmente a produção de fala. Podem ser divididos em digitalizadores de fala ou comunicadores[42] , em que o dispositivo reproduz mensagens previamente gravadas, e em sintetizadores de fala, em que qualquer mensagem escrita é convertida para fala através de algoritmos de síntese de fala. Enquanto os primeiros são independentes da língua (os utilizadores podem gravar qualquer fala ou som), os segundos dependem de versões de software com vozes para um determinado idioma. Por outro lado, a síntese de fala tem a vantagem de não estar dependente de mensagens previamente programadas, podendo o utilizador “dizer” o que pretende em cada instante.

A tecnologia da síntese de fala vulgarizou-se nos últimos anos, havendo versões de muito boa qualidade para o Português europeu. As vozes são adquiridas através da licença do software de comunicação. Além disso, alguns sistemas operativos já as incluem na versão original (e.g., Microsoft Windows, Android, MacOs ou iOS), em particular para a funcionalidade de leitor de ecrã (ver Secção 8.4.3).

Atualmente estão em desenvolvimento sistemas de síntese com voz personalizada (a voz personalizada simula a voz do seu utilizador, baseando-se na gravação antecipada da voz original) ou de voz expressiva[43].

Existem digitalizadores de fala portáteis com diferentes capacidades de armazenamento de mensagens (Figura 8.11). Tipicamente, os digitalizadores possuem diversos níveis permitindo assim aumentar o número de mensagens acessíveis a partir de cada botão. Para cada nível é usualmente criado um quadro de comunicação que pode ser fisicamente (uma folha impressa) guardado no próprio digitalizador. Por vezes é disponibilizado um conjunto de mensagens nucleares, comum a todos os níveis, para acesso rápido. Alguns digitalizadores de fala permitem a seleção de cada mensagem de forma indireta, por varrimento (Figura 8.12).

90
Figura 8.11: Digitalizadores de fala (www.attainmentcompany.com)
(A)
(B)
Figura 8.12: Exemplos de dois modelos de digitalizadores de fala com acesso por varrimento (A) www.tobii.com (B) www.attainmentcompany.com

Os digitalizadores de fala incorporados em manípulos, como os representados na Figura 8.13, são particularmente úteis na intervenção com crianças, para treino de utilização de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa. Associado ao acionamento de cada botão, pode ser facilmente gravada uma porção de uma história ou de uma cantiga, pedindo-se à criança que a reproduza na altura adequada. Este tipo de atividade contribui para o treino da atenção e da coordenação motora, em contextos lúdicos.

Figura 8.13: Digitalizadores de fala incorporados em manípulos (www.ablenetinc.com)

Os produtos de apoio à comunicação com síntese de fala são baseados em sistemas informáticos, sendo comercializadas como dispositivos dedicados à comunicação (Figura 8.14) ou como sistemas suportados num computador, tablet ou telefone (Figura 8.15). São muito versáteis, 91 permitindo uma adaptação às necessidades do utilizador (diferentes métodos de acesso, diferentes conjuntos de símbolos, liberdade total para o desenho de quadros de comunicação, entre outros). Permitem normalmente o controlo do ambiente através de uma porta de infravermelhos ou Bluetooth®.

Figura 8.14: Sistema integrado para a comunicação aumentativa e alternativa. Inclui software para comunicação, acessibilidade e controlo do ambiente (www.sensorysoftware.com)
Figura 8.15: Aplicação para comunicação aumentativa e alternativa desenvolvida para um iPad™ (www.attainment.com)

Em regra, os sistemas de comunicação com síntese de fala incorporam estratégias de aceleração da escrita. Uma dessas estratégias é a predição de texto, em que o sistema sugere palavras com base nas letras introduzidas ou nas palavras anteriores da mensagem. Os sistemas de predição atuais têm a capacidade de se adaptar ao utilizador, aprendendo quais as palavras mais prováveis de ocorrer, com base em utilizações anteriores.

Uma outra estratégia de aceleração da escrita é a compactação semântica (Beukelman & Mirenda, 2005), em que um mesmo símbolo pode assumir significados diferentes consoante o contexto em que é usado (e.g., o símbolo “maçã” poderá significar uma maçã se usado isoladamente, mas poderá significar a ação comer se usado a seguir a um verbo, como em “quero comer”).

92

8.4.3 Produtos de apoio para pessoas com deficiência visual

Nesta secção foca-se em particular o acesso à informação digital por parte de pessoas com deficiência visual. Para estes utilizadores os produtos de apoio à comunicação digital têm por objetivo a conversão da informação visual em informação táctil ou de áudio.

Os leitores de ecrã são programas informáticos que recebem a informação que é transmitida visualmente através do ecrã do computador convertendo-a em informação auditiva ou táctil. Utilizando um leitor de ecrã uma pessoa cega pode aceder a todas as funções do sistema operativo, recebendo as informações visuais na forma auditiva (voz sintetizada) ou táctil (linha Braille ou impressão em Braille). Atualmente, a maioria dos sistemas operativos inclui leitores de ecrã, embora alguns destes sejam limitados nas funcionalidades. Os utilizadores de leitor de ecrã recorrem ao teclado do computador (ou a teclas de comando da linha Braille) para aceder aos comandos de leitura. Há também dispositivos para leitura de livros eletrónicos (eBooks) que incluem leitor de ecrã.

As linhas Braille[44] são dispositivos eletromecânicos que exibem, dinamicamente, a informação do leitor de ecrã em carateres Braille. A tecnologia consiste num conjunto de pontos que sobressaem ou recolhem, permitindo que a informação do ecrã seja convertida em Braille. As linhas Braille são particularmente importantes para pessoas com surdocegueira que, desta forma, recebem toda a informação do computador através do tacto. Há linhas Braille de diversos tamanhos e com diferentes características técnicas (ver Figura 8.16).

Figura 8.16: Exemplo de linha Braille (www.handytech.de)

As impressoras Braille convertem o texto (escrito no computador ou digitalizado e convertido por meio de programas de OCR[45]) em carateres Braille impressos em papel.

Os ampliadores são produtos de apoio que ampliam a informação visual de forma a poder ser acedida por pessoas com baixa visão. Há uma grande variedade de ampliadores nos mercados nacional e internacional dos produtos de apoio.

93

As lupas são ampliadores óticos que têm a vantagem de ser portáteis, leves, simples de utilizar e de baixo custo. Algumas lupas incluem iluminação para aumentar o contraste, outras podem ter lentes com diferentes graduações.

Apesar de práticos e simples, os ampliadores óticos são limitados no grau de ampliação e de contraste. Por seu lado, os ampliadores eletrónicos têm maior capacidade de ampliação e permitem grande flexibilidade e ajuste a diferentes características visuais dos utilizadores. Podem ser portáteis ou de mesa, ampliar livros e outros objetos (ampliadores baseados em câmaras de vídeo), como ilustrado na Figura 8.17.

(A)
(B)
Figura 8.17: Sistemas de auxílio à leitura (A) Ampliador vídeo (B) Sistema de leitura (www.optelec.com)

Os sistemas operativos mais comuns incluem software de ampliação de ecrã nas suas opções de acessibilidade. No entanto, existem vários programas específicos de ampliação de ecrã que oferecem uma maior flexibilidade na configuração do contraste e graus de ampliação, bem como em opções de navegação (ver Figura 8.18).

Figura 8.18: Exemplo da ferramenta Lupa, disponível nas opções de Acessibilidade dos sistemas operativos Microsoft Windows
94

8.4.4 Produtos de apoio para pessoas com deficiência auditiva

Os produtos de apoio à comunicação mais utilizados por pessoas com deficiência auditiva são as próteses auditivas, que amplificam e modulam o som para o utilizador. Existe grande variedade de marcas e modelos, variando em tamanho, tipo de colocação e especificações técnicas. Os aparelhos auditivos são dispositivos eletroacústicos, tipicamente compostos por quatro partes: microfone, amplificador, recetor e fonte de energia, de acordo com o esquema da Figura 8.19 (A).

Atualmente, estes aparelhos são digitais e programáveis, o que possibilita a modulação do sinal de forma a ajustar a amplificação às características específicas do utilizador, no que se refere aos diferentes níveis de audição em diferentes gamas de frequência. Com o processamento digital de sinal, os fabricantes procuram otimizar o aparelho auditivo para o reconhecimento de fala e redução de ruído. Estes aparelhos podem ser de diferentes tamanhos e distinguem-se pela forma de colocação (Heckendorf, 2009): atrás da orelha (BTE[46] ), dentro do ouvido (ITE[47] ), dentro do canal auditivo (CIC[48] ), auscultador dentro do canal (RIC[49] ) e auscultador dentro do ouvido (RITE[50] ).

(A)
(B)
Figura 8.19: Aparelho auditivo (A) Esquema simplificado (Cook & Polgar, 2008) (B) Aparelho auditivo que permite uma ligação sem fios a diversos dispositivos (www.beltone.com)

Alguns aparelhos permitem uma ligação sem fios para receber som diretamente de determinadas fontes de áudio, por exemplo para receber o som de um telefone ou televisão (Figura 8.19 (B)). Um outro exemplo de aplicação destes sistemas é o contexto de sala de aula. O sinal áudio do professor é captado por um microfone, seguidamente transmitido por frequência modelada (FM), e recebido no aparelho auditivo do aluno, por indução magnética através de uma telecoil. A telecoil é uma bobina muito pequena, inserida no aparelho auditivo, que serve como uma antena e pode ser ativada pelo interrutor do aparelho.

Para pessoas com deficiência auditiva profunda ou surdez tem sido possível restaurar a perceção do som através de um dispositivo denominado implante coclear. O implante coclear estimula diretamente o nervo auditivo ultrapassando a zona lesionada do ouvido. O som deixa de passar no ouvido médio e canal auditivo – é recebido por um microfone e transmitido por impulsos elétricos enviados diretamente para o nervo auditivo. Estes implantes dividem-se em duas partes 95 (ver Figura 8.20): externa ao corpo, composta por um microfone, um circuito de processamento eletrónico de fala, e um transmissor; e interna ao corpo (colocada por cirurgia), composta por um recetor/estimulador (recebe por indução eletromagnética o sinal do transmissor e converte-o em impulsos elétricos) e um conjunto de elétrodos colocado no interior da cóclea (área do ouvido interno que recebe os impulsos e envia estímulos elétricos para o nervo auditivo).

Um implante coclear não reabilita a audição normal. Dando uma via alternativa para a audição, permite ao utilizador entender a fala e percecionar alguns sons no seu ambiente. As pessoas com implante coclear demoram algum tempo a (re)aprender a “ouvir”.

Figura 8.20: Esquema de um implante coclear (www.medel.com)

Outros produtos de apoio para a comunicação de pessoas com deficiência auditiva são telefones de texto (em que a comunicação é feita por texto) ou telefones com ampliação sonora.

Uma das maiores dificuldades das pessoas com deficiência auditiva é a perceção do meio ambiente. O toque da campainha da porta, um sinal de alarme de incêndio, um bebé a chorar, são apenas alguns exemplos (Cook & Polgar, 2008). Existem sistemas de alerta que convertem os sinais auditivos em sinais vibratórios ou luminosos, dando maior segurança à pessoa com deficiência auditiva. Por exemplo, há sistemas que convertem o sinal sonoro da campainha da porta ou do toque do telefone num sinal luminoso (a informação do sinal sonoro é recebida por um ou mais recetores luminosos, que podem estar em diferentes zonas da casa). Outro exemplo são os relógios despertadores com vibração debaixo da almofada.

No que se refere ao acesso ao computador, os sistemas operativos mais comuns incluem configurações de acessibilidade para a sinalização dos alertas sonoros com informação visual. Atualmente, a utilização da Internet com uma câmara de vídeo permite a comunicação remota entre duas pessoas que usem língua gestual. O reconhecimento de fala é também um produto de apoio útil a pessoas com deficiência auditiva, nomeadamente na conversão de informação áudio em informação visual (texto). Um exemplo da utilização do reconhecimento de fala para pessoas surdas é a legendagem automática, que permite uma legendagem em tempo real do que é falado, por exemplo, num programa televisivo que é emitido[51] .

96

8.5 Barreiras à utilização de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa

São muitas as barreiras à utilização de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa. Enumeram- -se aqui algumas delas, evidenciadas em diversos estudos, querendo chamar a atenção para diferentes atitudes e contextos que geram o problema frequente do abandono de sistemas de CAA.

Um receio muito frequente dos pais e cuidadores, ou dos próprios utilizadores, é que o uso de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa prejudique ou impeça a recuperação ou a aprendizagem da fala natural. Não existe, no entanto, qualquer evidência científica desse efeito (Light & Drager, 2007). Pelo contrário, há situações em que o sistema de comunicação aumentativa e alternativa pode estimular a vocalização, como é o caso de adultos afásicos que usam um sistema de CAA para treinar a sua própria fala (Beukelman & Mirenda, 2005).

A lentidão com que é mantida a comunicação é uma das maiores barreiras à utilização destes sistemas. Para comparação, refira-se que um discurso normal é efetuado a 150 a 200 palavras por minuto, um estenógrafo treinado é capaz de escrever 60 a 65 palavras por minuto, enquanto que um utilizador de CAA experiente não produz mais que 15 palavras por minuto, na maioria das situações (Beukelman & Mirenda, 2005).

Também, por vezes, existe alguma desconfiança sobre a autoria das mensagens, principalmente com o uso de sistemas com síntese de fala (Beukelman, Fager, Ball, & Dietz, 2007).

Em determinados contextos, por exemplo numa sala de aula, a voz sintetizada pode ser considerada disruptiva, perturbando o normal funcionamento da turma (Cook & Polgar, 2008).

Existe também o preconceito generalizado de que quem não é capaz de falar possui um défice cognitivo. Estudos mostram que fatores como o género, o tipo de deficiência, a idade, a experiência e familiaridade do utilizador com sistemas de CAA e o contexto social afetam as atitudes das pessoas face a utilizadores de CAA (Cook & Polgar, 2008; Beukelman & Mirenda, 2005).

Do lado de quem necessita dos sistemas de comunicação aumentativa e alternativa, a não adequação do produto ao contexto[52], as dificuldades de parametrização e utilização, e a não identificação com a voz emitida pelo dispositivo estão entre as razões para não aderir à sua utilização (Beukelman & Mirenda, 2005).

97

8.6 Avaliação para a prescrição de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa

Tal como para todos os outros produtos de apoio, a avaliação para a prescrição de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa deve ser efetuada por uma equipa multidisciplinar. Esta deve envolver:

  1. A pessoa com necessidades complexas de comunicação e respetiva família, que têm o conhecimento profundo das necessidades;
  2. Um terapeuta da fala, que tem um conhecimento profundo de comunicação aumentativa e alternativa, é capaz de avaliar as capacidades cognitivas, de linguagem e as necessidades de comunicação da pessoa, seleciona os materiais e treina a família e os cuidadores na utilização dos sistemas de CAA;
  3. O educador ou professor (no caso de o utilizador ser criança/jovem), que estabelece os objetivos educativos e supervisiona a intervenção em contexto educativo;
  4. Um fisioterapeuta e um terapeuta ocupacional, que fazem a avaliação motora, do posicionamento, dos contextos em que será usado o sistema de CAA e estabelecem o método de acesso ao produto de apoio;
  5. O auxiliar de educação/formador profissional, essencial para o sucesso da intervenção, uma vez que é quem melhor conhece as necessidades do utilizador no contexto educativo ou de trabalho; e
  6. O engenheiro de reabilitação, para dar apoio na montagem dos sistemas, projetar sistemas à medida ou parametrizar sistemas comerciais para melhor se adaptarem ao utilizador; para a manutenção dos sistemas; para auxiliar na medição dos resultados das intervenções e para dar formação aos outros profissionais envolvidos; e para a investigação e desenvolvimento de novas tecnologias de apoio.

Existem várias ferramentas de apoio à avaliação de pessoas para sistemas de comunicação aumentativa e alternativa, de que são exemplo o Modelo de Participação (Beukelman & Mirenda, 2005) e as Redes Sociais[53] (Blackstone & Berg, 2002). No inventário que faz parte do método das Redes Sociais, é reconhecido que as necessidades de comunicação dependem dos parceiros e contextos de comunicação. São, por isso, avaliadas as necessidades em cinco círculos de comunicação, incluindo diferentes parceiros. Do mais chegado para o mais afastado, esses círculos de comunicação incluem i) a família, ii) os amigos, iii) os conhecidos, iv) os cuidadores e v) os parceiros não familiares (e.g., funcionário de uma loja). O indivíduo com necessidades complexas de comunicação é o centro de todo o processo, mas são também avaliadas as relações existentes entre os diversos círculos de comunicação.

As pessoas com doenças neurodegenerativas, como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ver Secção 3.3.4), constituem um desafio acrescido para a escolha de um sistema de comunicação aumentativo e alternativo adequado. Nestas situações, o produto de apoio deve ser capaz de acompanhar a 98 evolução das condições do utilizador, sem o obrigar a constantes adaptações a novos produtos. Por outro lado, antecipando a inevitabilidade da necessidade de utilização destes produtos de apoio no futuro, o doente deve ser orientado para iniciar, antecipadamente, o treino na utilização dos sistemas, quando ainda conserva as capacidades que podem facilitar a aprendizagem. A avaliação destas pessoas deve assim ter em conta não só a sua situação atual, mas também a evolução esperada. Por exemplo, um doente com ELA do tipo bulbar que já manifeste baixa inteligibilidade da fala mas que ainda se consiga deslocar de forma independente, poderá começar a usar um pequeno tablet ou smartphone com uma aplicação para a CAA que possa ser utilizada também num computador. A experiência adquirida facilitará a transição para a utilização de um sistema de CAA baseado num computador com a mesma aplicação, quando já não tiver possibilidade de deslocar-se e, por isso, o sistema portátil deixar de ser adequado (Londral, Azevedo, & Encarnação, 2008).

8.7 Comunicação aumentativa e alternativa em meio hospitalar

Diversos estudos (ver referências em (Pressman & Blackstone, 2010)) têm revelado que pessoas com:

  1. Deficiências auditivas, de fala e cognitivas com (ou sem) acesso a ferramentas de comunicação;
  2. Diferenças linguísticas e/ou culturais;
  3. Literacia em saúde limitada;
  4. Capacidade limitada de leitura/escrita;
  5. Dificuldades de comunicação recentes em resultado da sua doença/acidente/evento; e
  6. Dificuldades de comunicação em resultado de tratamento médico (e.g., entubação, sedação),

estão mais propensas a:

  1. Serem hospitalizadas;
  2. Sofrerem danos médicos/físicos (e.g., efeitos secundários de medicamentos);
  3. Abandonar o hospital contra o conselho médico;
  4. Serem entubadas, se asmáticas;
  5. Terem custos acrescidos;
  6. Sofrerem demora no tratamento; e
  7. Serem diagnosticadas de uma psicopatologia.

Por outro lado, estas mesmas populações estão menos propensas a:

  1. Aderirem ao regime medicamentoso recomendado;
  2. Reportarem abusos;
  3. Acederem a e utilizarem cuidados médicos;
  4. Regressar para consultas de acompanhamento; e
  5. Estarem satisfeitas com cuidados prestados.
99

Com base nestas evidências, a Joint Commission[54], a agência americana de acreditação e certificação de unidades de saúde, emitiu normas que as unidades de saúde acreditadas devem respeitar com vista à garantia dos direitos das pessoas com necessidades complexas de comunicação em contexto hospitalar. Essas normas, em vigor desde janeiro de 2011, incluem: a obrigatoriedade da existência de pessoal treinado em sensibilidade cultural e no uso de ferramentas de comunicação; a identificação das necessidades de comunicação dos pacientes; a satisfação das necessidades de comunicação em todo o processo de prestação de cuidados de saúde; e a disponibilização de serviços de tradução e meios auxiliares de comunicação (The Joint Commission, 2010). Por exemplo, as Unidades de Cuidados Intensivos são agora obrigadas a providenciar aos seus utentes meios alternativos de comunicação para que estes consigam comunicar quando não conseguem fazê-lo através da fala (e.g., quando estão entubados).

Em consequência do anúncio destas normas foram avaliadas as necessidades comunicativas dos utentes de unidades de saúde e foram desenvolvidas estratégias de comunicação aumentativa e alternativa para as suprir. Por exemplo, em (Hemsley, Balandin, & Worrall, 2011), desmistifica-se a ideia de que as pessoas com deficiência mental ou necessidades complexas de comunicação estarão sempre acompanhadas por alguém que comunique por elas e, por isso, não têm necessidades de comunicação. São identificados cinco temas principais de comunicação em contexto hospitalar: dor, conforto (calor/frio, posição, etc.), fome/sede, higiene e ansiedade. Mas, para lá das necessidades básicas, os pacientes querem também comunicar acerca do seu estado de saúde, sobre quando terão alta médica, e têm necessidade de manifestar a sua capacidade de tomar decisões. O mesmo estudo conclui que dificuldades em comunicar as necessidades básicas podem prejudicar e/ou tornar mais complicado o trabalho de enfermagem, aumentar o sentimento de desconforto do paciente, ou mesmo colocar o paciente em risco. Conclui ainda que a impossibilidade de comunicação direta com o paciente leva a que este se sinta impotente sobre as decisões acerca do seu estado de saúde e tem um impacto negativo sobre o seu estado emocional.

Têm sido criados diversos produtos de apoio para a comunicação em contexto hospitalar, de que são exemplo quadros de comunicação específicos e escalas de dor (Figura 8.21) ou o Passaporte de Comunicação[55], que inclui informação de como a pessoa comunica, instruções de utilização do seu sistema de CAA, contactos úteis e outras informações relevantes. Deste passaporte destacam-se aqui duas instruções que tentam combater dois erros usuais de quem não está habituado a lidar com pessoas com necessidades complexas de comunicação: o interlocutor deve dar tempo ao doente para responder, uma vez que a comunicação com recurso a sistemas de CAA é mais lenta, e o interlocutor deve dirigir-se ao doente como um adulto na plena posse das suas capacidades mentais, já que frequentemente estas pessoas são tratadas como tendo um défice cognitivo.

100
Figura 8.21: Quadro de comunicação (em inglês) para contexto hospitalar e escala de dor (www.vidatak.com)
101